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René Burri: o fotógrafo que viu Brasília nascer

René Burri na exposição "Le Corbusier", Museum Bellerive em Zurique, 2010. RDB

René Burri, veterano fotógrafo da agência Magnum e reconhecido internacionalmente, dentre outros, pela imagem do jovem Che Guevara, lança um livro com imagens inéditas de Brasília, que acompanha através de várias viagens desde 1958.

Porém seu trabalho não destaca apenas as linhas arquitetônicas da capital brasileira, mas as pessoas que estão por trás dessa obra do século. É o que explica em entrevista swissinfo.ch.

Um mito vivo da fotografia não poderia estar sem ela. René Burri chega ao Museu das Formas (Museum für Gestaltung) em Zurique com a sua “Leica” a tiracolo, cachecol branco de seda em volta do pescoço e um chapéu negro. “É o meu terceiro olho”, brinca o suíço ao mostrar a pequena câmara. “Estou sempre com ela.”

Sua assistente tira da bolsa o livro que acaba de lançar. Suas 226 páginas estão ricamente ilustradas com muitas fotos em preto e branco, mas também coloridas. Alguns recortes de revistas mostram que elas foram publicadas nos mais diferentes continentes, seja Ásia, Europa ou América.

Burri termina de fumar seu charuto, um hábito que tem desde sua primeira visita à Cuba. Ele tira o selo dourado com a inscrição “H.Upmann, Habana, Cuba” e cola na primeira página do livro. Depois escreve a dedicatória, incluindo a frase “Hasta La Victoria sempre”. O suíço dá então uma sonora gargalhada. A entrevista pode começar…

swissinfo.ch: Qual a impressão mais forte que o senhor teve de Brasília?

René Burri: Para mim Brasília era uma utopia que se transformou em realidade. Era uma cidade que saiu do nada em poucos anos. Existe uma foto no meu livro…ela mostra uma família que chega ao final (Burri folheia o livro para encontrá-la). Eu tive de chorar quando vi essa imagem (ver na galeria de fotos na coluna da direita). Eram os chamados “candangos”, não? Ele chegou com um machado e chapéu de palha e, no final, quando o trabalho estava pronto, levou a mulher e os filhos com suas melhores roupas para ver o seu trabalho. E depois era a inauguração e esse pessoal teve de partir.

swissinfo.ch: Brasília comemorou seu 50° aniversário no ano passado. Por que o livro “Brasília – fotografias de 1958 a 1997” só foi publicado agora?

R.B.: A razão é que começamos muito tarde com o trabalho. O meu amigo, o professor Arthur Rüegg (arquiteto e professor da Escola Politécnica de Zurique – ETH), com quem já havia trabalhado no livro sobre Le Corbusier, esteve no ano passado em Brasília. Lá ele encontrou o embaixador da Suíça e sugeriu realizar uma exposição de fotos. O embaixador me ligou e disse que gostaria de fazer – e eu concordei – mas logo retrucou, afirmando que não tinha nem dinheiro ou lugar para expor as fotos. Então, apesar do jubileu de Brasília já ter ocorrido no ano passado, comecei a selecionar as fotos de Brasília – e eu tinha muitas delas, que foram publicadas em revistas como a “Paris Match” ou na “Manchete” do meu amigo Adolfo Bloch, por ocasião da inauguração, mas também uma grande quantidade de material ainda não publicado.

swissinfo.ch: Qual é o objetivo do livro?

R.B.: Percebemos então que havia a possibilidade de reconstruir o nascimento de uma cidade com fotos daquela época até os dias de hoje. O editor ficou muito animado. No livro estão as imagens publicadas na revista Manchete, mas também fotos dos anos 1990. No conjunto, elas mostram as transformações vividas por Brasília, onde estive quinze vezes. 

swissinfo.ch: Um dos seus trabalhos fotográficos mais famosos foi realizado com o arquiteto francês Le Corbusier. Ao ver Brasília pela primeira vez, o senhor a considerou um espelho da sua obra?

R.B.: Não, o sentimento é de que algo novo estava acontecendo. Eu não posso dizer que havia me esquecido do Le Corbusier, pois durante dez anos sempre o visitei e fotografei, realizando depois o livro. Porém prefiro dizer que o Oscar Niemeyer era um jovem de Le Corbursier, mas que seguiu o ditado: um aprendiz tem de matar seu mestre, não com a faca, mas sim de forma mental, tentando ultrapassá-lo. 

swissinfo.ch: Não foi um choque ver pela primeira vez Brasília, com seus blocos de concreto no meio da savana?

R.B.: Eu não sou um típico suíço. Sempre quis ir além das montanhas. Eu amo a Suíça, sempre volto para cá, mas é preciso sair do seu meio. Existe o ditado que diz que ninguém é profeta no seu próprio país. Eu sempre subi nas montanhas para conquistar o mundo. Se eu vivesse há 250 anos acho que teria sido um mercenário.

swissinfo.ch: Como o senhor acompanhou as mudanças de Brasília nesses últimos cinquenta anos?

R.B.: Como as outras coisas também. Eu ainda amo a humanidade. Eu vivi muitas coisas horríveis durante guerras, mas continua achando que a humanidade é capaz de fazer grandes coisas, mas terríveis também. Eu me lembro de quando era criança e gostava de brincar nos parques em Zurique fazendo castelos de areia. E sempre quando o castelo estava pronto e bonito, vinha outra criança e destruía tudo: inconscientemente percebi que existem pessoas que querem construir – e tem utopias – e outros, que por alguma razão, querem destruir.

swissinfo.ch: Brasília tem hoje 2,5 milhões de habitantes e problemas típicos de cidades grandes como congestionamento e criminalidade. O que sobrou da utopia?

R.B.: Brasília mudou assim como em todo o mundo. Hoje existe a propaganda, a especulação, o capitalismo e a globalização – tudo está incluído. Porém no início havia uma ideia como a desenvolvida pela escola Bauhaus em Weimar. Depois chegou um sujeito chamado Hitler e expulsou todas essas pessoa. Eu sempre digo que é como uma roda que gira de forma permanente. Não é possível freá-la. A humanidade progride, mas também coisas terríveis se desenvolveram.

swissinfo.ch: Tradicionalmente as fotos de Brasília destacam só sua arquitetura. Por que se vê tanta gente nas fotos de René Burri?

R.B.: Talvez isso venha da minha formação. Eu cresci em um meio bastante humilde. Minha mãe era uma pessoa com um grande coração, o que irritava a mim e a minha irmã. Às vezes a gente recebia pessoas no meio da noite e elas recebiam um prato de sopa. Na época da guerra recebíamos também presos de guerra nos finais de semana. Mas essa fraqueza pessoal da minha mãe acabou se transferindo para nós. E então, quando estava em algum lugar do mundo, onde podia encontrar pessoas terríveis como ditadores, eu dizia para mim mesmo que era necessário manter distância. Afinal, as pessoas querem sempre esclarecer, mostrar ou esconder.

swissinfo.ch: E um fotógrafo precisa mostrar o que está por trás da fachada?

R.B.: Eu gostaria de ser mais preciso. No início pensava ir sair pelo mundo para tirar fotos e depois trazê-las de volta. Minha intenção era mostrar coisas que ninguém conhecia, pois não existia televisão e o mundo não era tão explorado, com exceção das partes que haviam sido colonizadas por europeus, em primeira linha. O que vivi foi a descolonização na Ásia, como vi na China. Nessa época, o Brasil estava para mim como “hibernando”. E assim, eu pensava que quando retornasse, poderia mudar o mundo, mas isso é naturalmente impossível. Porém ainda acredito – como eu vivi na profissão – que se trouxermos de volta ideias, é possível mudar as pessoas ou a visão que as pessoas têm das coisas. O que hoje acontece é o medo que temos de outras pessoas que não conhecemos. Nesse sentido, ainda tenho o sentimento que algumas das minhas imagens podem construir pequenas pontes entre as pessoas.

swissinfo.ch: Como trabalha um suíço com a fotografia? Afinal, esse é um país marcado pelo protestantismo, onde se abominaram as imagens e as emoções no passado?

Também sou originário dessa Zurique protestante, mas de alguma forma isso acabou me ajudando a saber reduzir coisas. No meu interior sou uma pessoa extremamente barroca, um terrorista de certa forma. Isso não na sua forma negativa, mas no fato que eu sempre questionei a época e o meio que me cerca. Talvez essa nova objetividade que vinha de artistas alemães e que aprendi na escola que estamos falando (Escola de Arte e Forma de Zurique) – apesar de ter sido tanto duro, pois se expressava na redução – me ajudou bastante. Quando comecei a sair pelo mundo, eu não desesperava, mas sabia como lidar com bastante cuidado com o pouco que havia disponível.

Quando fui à América do Sul e encontrei a equipe de quatro ou cinco pessoas que, em equipe, criou em quatro anos uma cidade, foi uma das experiências mais marcantes que tive na vida.

René Burri tirou sua primeira foto aos trezes anos, em Zurique. Motivo: o primeiro-ministro do Reino Unido, Wiston Churchill, que desfilava pela cidade suíça em um carro aberto.

Ele fez sua formação como fotógrafo na Escola de Artes de Zurique. Desde 1956 trabalha profissionalmente como jornalista fotográfico.

Suas primeiras reportagens foram publicadas em revistas suíças como “Du” e “Camera”. Graças ao reconhecimento, elas também começaram a sair em revistas internacionais como Look, Paris Match, Life, Stern e GEO.

Em 1960, René Burri realizou um trabalho fotográfico intitulado “Os Alemães” com grande repercussão no país vizinho. Essa série continuou a ser trabalhada até os dias de hoje, constituindo assim em um perfil único da Alemanha antes e depois da queda do Muro de Berlim.

Uma das suas fotos mais conhecidas internacionalmente é a de Che Guevara com o charuto na boca. Ela foi tirada em 1963. Outras personalidades retratadas por Burri: Pablo Picasso, Le Corbusier, Oscar Niemeyer, Alberto Giacometti.

O fotógrafo suíço é membro da célebre agência fotográfica Magnum desde 1959. Ele participou, em 1965, na criação do braço de filmes da agência. Ele também presidiu a Magnum a partir de 1982.

René Burri vive e trabalha em Zurique e Paris.

2011 – Brasília (Editora Scheidegger & Spiess)

2009 – Blackout New York (Editora Moser)

2008 – Nous sommes treize à table (Editora Dino Simonett)

2004 – Che Guevara Cigar Box (Editora Phaidon Press)

2004 – René Burri Photographs (Editora Phaindon Press)

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